Medicação pela SNE-Regras gerais



Nos pacientes em uso de nutrição enteral (NE) por sonda, é muito frequente a prescrição e administração de medicamentos através a sonda. Este procedimento nem sempre é isento de complicações. Muitas vezes, a administração de medicamentos pela SNE está sujeita a erros ou perdas no processo de trituração, e diluição podendo resultar em obstrução da sonda, contaminação da dieta/medicamento, alteração ou perda do efeito desejado do medicamento ou dos nutrientes. Estas intercorrências tem potencial de comprometer tanto a terapia nutricional quanto a terapia farmacológica.

Diante destes fatos o “Blog” inicia hoje uma série de postagens contendo as recomendações referentes à administração de medicamentos pelas sondas de nutrição enteral.
A proposta é trazer uma lista de medicamentos, o mais completa possível, que contenha informações sobre a compatibilidade de cada um deles com a NE e as recomendações para sua correta administração através da sonda.


PARTE 1: Regras gerais para administração de medicamentos através de sondas de alimentação.

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  • A sonda deve ser cuidadosamente lavada com 15 a 30 ml de água, antes (para verificar a permeabilidade da sonda) e após cada administração do medicamento (para evitar que as partículas da droga grudem nela e posteriormente causem obstrução).
  • Ao administrar mais de um medicamento, a sonda deve ser lavada com de água entre cada administração.
  • As quantidades de água utilizadas em todo processo de administração  devem ser registradas no balanço hídrico do paciente,  principalmente em pacientes com restrição hídrica e recebendo múltiplas drogas.
  • Os medicamentos devem ser administrados imediatamente após a sua preparação (trituração e / ou dissolução).
  • No caso de comprimidos de libertação imediata que se desintegram facilmente, recomenda-se que sejam preparados dentro da mesma seringa que será usada para a administração, para evitar perdas do princípio ativo.
  • No caso de mais de um medicamento ser administrado, cada um deve ser administrado separadamente. 
    • Nunca administrar vários medicamentos ao mesmo tempo.
  • Se no tratamento do paciente houver drogas em formas líquidas e sólidas, administre primeiro as formas farmacêuticas líquidas e na ordem de menor para a maior viscosidade no sentido de evitar a obstrução da sonda.
  • Nunca adicione o medicamento diretamente no frasco da NE. 
    • Este procedimento pode produzir uma contaminação microbiológica da NE ou levar à obstrução da sonda pela coagulação das proteínas ou formação de grumos na dieta.
  • Certifique-se do tipo de acesso ao tubo digestivo que está sendo usado: Se é gastrostomia, sonda enteral no estômago, sonda enteral pós pilórica ou jejunostomia.
  • No caso de medicamentos de ação local no interior do TGI, faça uma correlação entre o local onde o medicamento deve agir com a posição da extremidade distal da sonda. 
    • Ex:  Sucralfato ou antiácidos que neutralizem a acidez gástrica não devem ser administrados por jejunostomia ou por sonda pós-pilórica porque seu local de ação é o estômago.
  • Procure saber  o local do tubo digestivo em que o medicamento é absorvido e se ele pode ser administrado com ou sem alimentos.
    • Se as informações sobre o local de absorção do medicamento  não estiverem disponíveis considere que a maioria das drogas é absorvida no duodeno.
    • Verifique se a extremidade da sonda está localizada proximal à área de absorção do medicamento.
  • Sempre que possível devem ser usadas as formas farmacêuticas liquidas (soluções ou suspensões).
    • Formas farmacêuticas liquidas com osmolaridade superior a 500-600 mOsm / l devem ser evitados ou  o medicamento deve ser diluído  em volumes maiores de água.
  • Em alguns casos, usar fórmulas pediátricas (geralmente líquidas), formulações extemporâneas  ou substituir a substância ativa por outra disponível em forma líquida
  • Xaropes com pH < 4,0 ou com pH > 10  devem ser evitados pois tem a capacidade de promover aglutinação das proteínas no interior da sonda causando entupimento.
  • Quando uma forma farmacêutica sólida tiver que ser usada, primeiro verifique se ela pode ser esmagada ou se é uma cápsula que possa ser aberta.
  • O pó obtido após a trituração deve ser dissolvido em pelo menos 15-20 ml de água para favorecer a absorção e evitar obstrução da sonda,.
  • Verifique se há compatibilidade em administrar o medicamento junto com a  administração da NE.
    • Em caso de dúvida, administre-o com o estômago vazio (1 hora  antes da NE ou duas horas depois de interromper a NE), sempre que possível.
    • Quando o paciente recebe NE intermitente, recomenda-se aproveitar os intervalos em que o paciente não o recebe NE para administrar os medicamentos, tomando o cuidado de  lavar bem a sonda antes e após a administração
  • Drogas de margem terapêutica estreita precisam cuidados especiais:
    • Se o paciente tiver acesso venoso e  o medicamento com margem terapêutica estreita  estiver disponível em uma forma injetável, ele será alterado para parenteral.
    • Se não há acesso venoso e / ou o medicamento não está disponível na forma injetável, suspenda a NE 1 hora antes e 1 hora após a administração da medicação com margem terapêutica estreita.
    • Se a NE não puder ser parada, a dose oral deverá ser reavaliada e ajustada pela quantidade que se espera seja perdida devido à interação com a dieta enteral.
    • Níveis de drogas de margem terapêutica estreita devem ser monitorados sempre que possível ( Ex: Anticonvulsivantes, Lítio)

Conceitos em nutrição clínica



CONCEITOS E TERMINOLOGIAS  USADAS EM NUTRIÇÃO CLÍNICA.

ESPEN Guidelines 2017

Este guideline destina-se a alcançar um consenso a respeito dos principais conceitos e às terminologias relacionados aos procedimentos nutricionais.
A íntegra do guideline pode ser acessada aqui: .Guideline completo



Nutrição Clínica

A nutrição clínica é a disciplina que lida com a prevenção, diagnóstico e manejo das alterações nutricionais e metabólicas que guardam relação com as  doenças agudas, crônicas e as condições provocadas pela falta ou excesso de energia e/ou nutrientes.
Qualquer atuação envolvendo a nutrição, visando à prevenção ou cura dos pacientes individuais, é  caracterizada como nutrição clínica.


Inter-relações:

Desnutrição / subnutrição, excesso de peso, obesidade, anormalidades de micronutrientes e síndrome de realimentação são desordens nutricionais claras, enquanto sarcopenia e fragilidade são condições relacionadas ao estado nutricional, possuindo fisiopatologia múltipla e complexa.
A relação entre estas entidades está exposta no gráfico abaixo.

Alterações nutricionais e condições relacionadas






Desnutrição
(Subnutrição)
Sarcopenia
e
Fragilidade
Sobrepeso e obesidade
Deficiência
de
micronutrientes
Síndrome
de
Realimentação


Definiçoes:

Desnutrição. Sinônimo: subnutrição

 A desnutrição é definida como “um estado resultante da falta de ingestão ou ingestão inadequada de nutrientes que provoca alterações  na composição corporal (diminuição da massa corporal livre de gordura e na massa celular corporal) , resultando em diminuição na função física e mental além de  piorar o prognóstico das doenças intercorrentes".

Os critérios para definição da desnutrição foram definidos através de consensos da ESPEN a da ASPEN

Critérios da ESPEN para diagnóstico da desnutrição:

Pré-requisito
Ser considerado como estando em risco nutricional por qualquer ferramenta validada de traigem nutricional.
+
Alternativa 1
IMC < 18,5
OU
Alternativa 2

Perda de peso (não intencional) > 10%  independente do tempo, ou perda de    > 5%   do peso corporal nos últimos 3 meses,

+

IMC < 20 kg se  menor de 70 anos de idade, ou < 22 se  maior de 70 anos de idade
ou
FFMI < 15 para mulheres  ou  FFMI < 17 para homens.



  
Critérios da ASPEN para diagnóstico da desnutrição

  

Preencher pelo menos 2 dos critérios abaixo relacionados

  • Ingesta alimentar insuficiente em energia
  • Perda de peso
  • Perda de massa muscular
  • Perda da gordura subcutânea
  • Retenção localizada ou generalizada de líquido (que pode mascarar a perda de peso)
  • Diminuição na força do aperto de mão





            Classificação da desnutrição


·         Desnutrição:

o   Desnutrição relacionada à doença com processo inflamatório presente.
§  Desnutrição relacionada à doença crônica, com inflamação:
§  Desnutrição relacionada à doença aguda ou trauma

o   Desnutrição relacionada à doença, sem processo inflamatório
o   Desnutrição não acompanhada de doença



  DEFINIÇÕES:

  

Desnutrição relacionada à doença com inflamação presente

Desnutrição relacionada à doença com inflamação presente é um tipo específico de desnutrição causada pelo efeito da doença e da inflamação.

Este tipo de desnutrição é causado por uma doença associada a um processo inflamatório e é caracterizada pelo catabolismo provocado pela resposta inflamatória que por sua vez foi desencadeado pela doença de base.

A intensidade da resposta inflamatória desencadeada pela doença de base é que determina a intensidade do catabolismo, fazendo com que as manifestações clínicas da desnutrição se revelem mais cedo ou mais tarde ao longo da trajetória da doença.

A desnutrição relacionada à doença com inflamação presente se subdivide em 2 grupos:

  • Desnutrição relaciona a doença orgânica crônica: Sinônimo Caquexia (geralmente o processo inflamatório é leve/moderado).
  • Desnutrição relacionada à doença aguda ou a  trauma grave (o processo inflamatório é intenso)



Observações:

  • Os critérios diagnósticos para a desnutrição secundária à doença crônica são os mesmos usados para o diagnóstico da desnutrição, acrescidos dos sinais devidos à doença orgânica com a presença de inflamação leve/moderada, evidenciada pelos níveis elevados de Proteína C reativa e/ou níveis reduzidos de albumina plasmática.
  • No caso da desnutrição relacionada à doença aguda ou trauma grave, a grande atividade dos mediadores inflamatórios, os níveis elevados de corticosteroides, de catecolaminas, a resistência à insulina e ao hormônio do crescimento, em conjunto com imobilidade no leito e a ingesta alimentar insuficiente ou ausente, são os elementos responsáveis pelo consumo rápido e intenso das reservas orgânicas de nutrientes, provocando a desnutrição.
  • Não há critérios objetivos bem definidos para o diagnóstico da desnutrição secundária à doença aguda ou ao trauma. No entanto o quadro clínico do paciente demonstra sinais evidentes de resposta inflamatória sistêmica exacerbada e um processo catabólico intenso, sendo possível concluir que as reservas orgânicas de nutrientes serão consumidas rapidamente.



Desnutrição secundária à doença, sem inflamação

Desnutrição secundária à doença, sem inflamação é uma forma de desnutrição desencadeada por uma doença sistêmica na qual a inflamação não está presente.

Exemplos: Disfagia orofaríngea, doenças neurológicas (doença de Parkinson, Esclerose lateral amiotrófica, AVE isquêmico, demência), doenças psiquiátricas etc. 

A idade avançada, por si só, pode contribuir para o aparecimento da desnutrição sem inflamação, em função da presença da anorexia, isolamento etc.

Os critérios diagnósticos para a desnutrição secundária à doença sem inflamação, são os mesmos utilizados para identificar a desnutrição, combinados com as evidências da doença de base mas sem evidências bioquímicas do processo inflamatório.



Desnutrição na ausência de doença (Desnutrição primária).

Desnutrição na ausência de doença (Desnutrição primária). É o tipo de desnutrição encontrado em áreas de grande subdesenvolvimento. 

A escassez de alimentos é a principal causa deste tipo de desnutrição.
A causa etiológica é uma ingesta alimentar incapaz de atender às necessidades nutricionais do organismo.



Sarcopenia

Sarcopenia é uma síndrome caracterizada por perda progressiva e generalizada da função, da força e da massa muscular esquelética, e como consequência, aumentando o risco de efeitos adversos tais como limitações nas capacidades físicas, piora na qualidade de vida e morte.

As recomendações da ESPEN para o diagnóstico da sarcopenia são as mesmas elaboradas pelo grupo europeu de estudo de sarcopenia em pessoas idosas e indicam os meios para caracterizar a perda de massa muscular, da força e/ou da função.

  • A avaliação da massa muscular pode ser feita por qualquer técnica reconhecidamente válida, podendo ser a absorcimetria de Rx de dupla energia, (DEXA) bioimpedância elétrica, ou pela tomografia computadorizada. Usando a DEXA, a redução na massa muscular pode ser caracterizada quando se encontra um índice de massa muscular apendicular < 7,26 kg/m2 para homens e < 5,5 kg/m2 para mulheres. (O índice de massa muscular apendicular é obtido dividindo-se a massa muscular apendicular pelo quadrado da altura.)
  • A diminuição da função muscular pode ser medida pela redução na velocidade da marcha (caminhada) ou pelo teste de sentar- levantar da cadeira. Os valores de corte para a velocidade da marcha são: < 0,8 m/s ou < 1,0 m/s.( mulheres e homens).
  • A redução na força muscular pode ser avaliada pela força do aperto de mão. Os pontos de corte sugeridos são: < 20 kg para as mulheres e < 30 kg para os homens



Fragilidade

A fragilidade caracteriza-se pela presença de vulnerabilidade e baixa resistência do idoso, devidas ao declínio das reservas funcionais dos principais sistemas orgânicos. Como consequência há menor capacidade de enfrentar e vencer as situações de estresse tais como traumas ou doenças orgânicas, gerando incapacidade e dependência.

A fragilidade pode ser caracterizada quando estão presentes 3 ou mais dos seguintes critérios:
  • Perda de peso involuntária
  • Exaustão (cansaço)
  • Fraqueza (Diminuição na força do aperto de mão)
  • Lentidão (Ex: lentidão na marcha)
  • Pouca atividade física

O conceito de fragilidade deve ser estendido para além das características físicas e englobar fatores psicológicos e sociais, tais como estado cognitivo, condição social e outros fatores relacionados ao ambiente em que o idoso vive.



Sobrepeso e obesidade

Sobrepeso e obesidade são caracterizados pelo acúmulo excessivo de gordura corporal e como consequência provocar danos à saúde.

A classificação do sobrepeso/obesidade baseia-se no IMC:
  • Sobrepeso: IMC =  25 – 30
  • Obesidade grau I: IMC > 30  e < 35
  • Obesidade grau II: IMC > 35  e < 40
  • Obesidade grau III: IMC ≥ 40


Obs: O método mais preciso para caracterizar a obesidade é a medida da composição corporal pela DEXA


Obesidade central: ( obesidade abdominal, obesidade visceral ou obesidade androide).

Caracteriza-se pelo acúmulo de gordura no abdômen, e clinicamente pode ser identificada pelo perímetro abdominal (medido na metade da distância entre a última costela e a crista ilíaca).
Os valores de corte são:
  • Consenso Europeu: Homens 94 cm Mulheres 80 cm
  • Consenso Americano: Homens 104 cm Mulheres 88 cm

A obesidade central traz consigo maior risco de doenças cardiovasculares e metabólicas, incluindo aumento na resistência à insulina, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemias e hipertensão arterial. Esta associação é mais nítida nos pacientes portadores de obesidade grau I (IMC < 35) como também naqueles classificados como portadores de sobrepeso.



Obesidade sarcopênica

Definida como sendo a combinação de obesidade com sarcopenia, que ocorre por exemplo nos indivíduos de idade avançada, nos portadores de diabetes tipo 2, DPOC, nos obesos portadores de doenças neoplásicas ou após transplante de órgãos, podendo aparecer em qualquer idade.

Os mecanismos responsáveis pela obesidade sarcopênica incluem a presença de processo inflamatório e/ou catabolismo muscular provocado pela inatividade.

Atualmente não há outros critérios definidos para caracterizar a obesidade sarcopênica além dos existentes para diagnóstico da obesidade e da sarcopenia separadamente