Nutrição na doença hepática crônica
Autor: Aiman Ghufran, Divisão de gastroenterologia e
hepatologia, Faculdade de Medicina de Wisconsin, EUA
Nutrition in Clinical Practice
Vol 35 Nº2 Abr 2020
Introdução:
Assegurar
uma nutrição adequada aos pacientes portadores de doença hepática crônica é um
grande desafio, visto que estes pacientes tem um risco maior de desenvolverem
desnutrição em comparação com o restante da população.
A gravidade
da desnutrição tem uma íntima relação com o prognóstico dos portadores de
cirrose hepática e tem um impacto profundo nas complicações que surgem antes ou
depois da realização do transplante hepático.
Há portanto
necessidade imperiosa de identificar precocemente a desnutrição nos paciente
cirrótico, de modo a permitir que as medidas adequadas para sua correção sejam
implementadas, visando melhorar o prognóstico destes pacientes.
Prevalência da desnutrição no
cirrótico.
A
desnutrição ocorre em cerca de 75% dos pacientes cirróticos, sendo que 40%
deste total apresenta desnutrição severa.
A gravidade
da desnutrição parece estar correlacionada com a gravidade da doença hepática. As
características da desnutrição no cirrótico são:
▫
É
mais frequente nas mulheres
▫
É
caracterizada por deficiência calórica e proteica
▫
A
sarcopenia é muito marcante nos portadores de doença hepática descompensada
▫
Nos
portadores de doença hepática pelo álcool, a desnutrição é mais grave com
também é mais frequente a deficiência de vitaminas do complexo B.
▫
Os
portadores doença hepática colestática desenvolvem deficiências graves de
vitaminas lipossolúveis.
▫
Aumenta
os riscos de infecções e de complicações ligadas à hipertensão porta
▫
É
causadora de retardo na cicatrização das feridas, hospitalização prolongada e
redução na sobrevida. (Aumenta de 12 para 65% o risco de ocorrência destas
complicações.)
Causas da desnutrição
A
desnutrição no cirrótico tem origem multifatorial, que serão resumidos a
seguir;
▫
“Estado
de má-absorção generalizada” devido a disfunção gastrointestinal (disbiose,
disfunção e motora) e hipertensão porta (que também provoca aumento das perdas
entéricas de proteínas)
▫
Perda
de apetite resultante de náuseas, disgeusia e sensação de plenitude epigástrica
devido ao esvaziamento gástrico retardado, principalmente em presença de ascite
e alterações nos hormônios que regulam o apetite (Leptina e Grelina)
▫
Alterações
no metabolismo dos macro e micronutrientes
▫
Aumento
do gasto energético devido ao aumento das catecolaminas circulantes
▫
Maior
perda muscular devida ao aumento desproporcional nos níveis de miostatina.
▫
“Desnutrição
iatrogênica”, assim denominado o prejuízo nutricional imposto aos pacientes
hospitalizados, particularmente os mais graves, causado por interrupções ou
suspenções das refeições (dieta zero), em razão de procedimentos ou exames
médicos, principalmente os procedimentos que necessitam sedação.
Avaliação da desnutrição:
Visto que a
desnutrição nos cirróticos é frequente, estes pacientes devem ser reavaliados
em intervalos regulares. Os métodos disponíveis para a avaliação são;
▫
Avaliação
nutricional subjetiva (ANS) junto com a medida da força de preensão palmar
(FPP). Estes dois métodos combinados parecem se correlacionar de uma maneira
estreita com a pontuação Child-Pugh e MELD.
▫
Antropometria
do membro superior (prega cutânea tricipital, circunferência muscular do braço
e área muscular do braço). O valor da área muscular do braço apresenta boa
correlação com os métodos de imagem usados para avaliação de sarcopenia.
▫
Exames
de sangue: Albumina sérica e a pré albumina, embora reflitam a extensão da
lesão hepática, não são marcadores adequados para desnutrição.
▫
Métodos
de imagem: São uteis e sensíveis na avaliação da massa muscular: São eles:
o
Área
total da musculatura abdominal a nível de L3 (Total abdominal muscle área at
L3).
o
Área
muscular do psoas medida na TC (Psoas muscle cross-seccional área)
o
Espessura
do quadríceps medida por US
o
DEXA
Roteiro para avaliação nutricional do
paciente com cirrose.
Todos os
pacientes portadores de cirrose devem ser submetidos à triagem nutricional
sendo que aqueles identificados como desnutridos ou que estejam em risco de
desnutrição, devem ser avaliados de uma maneira detalhada, para quantificar o
desvio nutricional e identificar a presença de sarcopenia, utilizando as
ferramentas descritas no tópico anterior.
Estas
avaliações devem ser repetidas pelo menos trimestralmente para que se possa
medir a resposta do organismo e modular as intervenções nutricionais.
Nutrição na doença hepática crônica.
Deve-se
realizar a nutrição por via oral sempre que possível, sendo a nutrição enteral
por sonda iniciada quando a VO for insuficiente, reservando a nutrição
parenteral para os pacientes que apresentam contraindicação para o uso do TGI.
Nos casos em
que há previsão de interromper a NE por mais de 12 h, deve-se prescrever
hidratação venosa com glicose. Se a previsão for de interrupção por mais de 72
h, a nutrição parenteral deve ser iniciada.
As
recomendações calóricas, de macro e de micronutrientes para os cirróticos são:
Necessidades calóricas:
▫
Se
possível avaliar a necessidade calórica pela calorimetria indireta (CI)
▫
Na
impossibilidade da CI, usar 35 kcal/kg
de peso atual, fazendo ajustes posteriores em de acordo com a evolução.
▫
Nos
obesos usar 25 kcal/kg de peso ideal
ou 500 a 80 kcal/dia, sem restrição na oferta proteica. O objetivo é conseguir
a redução de 10% do peso corporal (o que ajuda a diminuir a fibrose hepática
nos portadores de “esteatose hepática não alcoólica”).
▫
A
oferta nutricional deve ser repartida em vária tomadas durante o dia, sendo que
a última refeição da noite deve ser rica em carboidratos complexos para evitar
períodos prolongados de jejum.
▫
O
uso continuado de aminoácidos de cadeia ramificada reduziria o risco de
descompensação hepática, de carcinoma hepatocelular e de morte e geralmente
melhora o bem estar, diminuindo a fadiga e a fraqueza.
▫
Outras
intervenções como estimulantes do apetite, testosterona, hormônio do
crescimento apresentaram resultados conflitantes em muitos estudos.
Macronutrientes:
Proteínas:
As
recomendações são:
▫
Pacientes
sem desnutrição: 1,2 g/kg/dia (peso
ideal)
▫
Pacientes
com desnutrição: 1,5 g/kg/dia (peso
ideal)
▫
Pacientes
com esteatose hepática não alcoólica e obesos: 2,0-2,5 g/kg/dia (peso ideal)
▫
Pacientes
em encefalopatia hepática: sem restrição da oferta proteica, exceto nos
portadores de insuficiência hepática aguda e encefalopatia grau 3-4, fazer
restrição proteica nas primeiras 24-48 horas.
Carboidratos e Lipídios
Visto que nos
portadores de hepatopatias crônicas há depleção do glicogênio hepático e
diminuição da gliconeogênese há risco de hipoglicemia se o período de jejum for
mais prolongado. Para evitar a hipoglicemia, o paciente deve receber uma
refeição rica em carboidratos complexos tarde da noite.
Há um número
crescente de evidências indicando o benefício de dietas pobres em carboidratos
e ricas em proteínas e em gorduras não saturadas (dieta do mediterrâneo). Estas
dietas seriam mais eficazes em promover a diminuição da gordura visceral, pelo
manos para os pacientes portadores de esteatose hepática não alcoólica.
Micronutrientes:
▫
Vitaminas hidrossolúveis: os pacientes hepatopatas tem
frequentemente deficiência de vitaminas do complexo B, (principalmente tiamina
–B1- e folato- B9-).
Os portadores de doença hepática
alcoólica devem receber suplementação parenteral de tiamina.
Com frequência os níveis de B12 estão elevados, (devido a
liberação da vitamina a partir da morte dos hepatócitos e diminuição do seu
clearence pela disfunção hepática), embora haja carência funcional. Nestes
casos, o nível sérico de B12 deve ser novamente medido após a melhora da disfunção
hepática, para guiar a reposição.
▫
Vitaminas lipossolúveis: Frequentemente há deficiência desta
vitaminas devido a diminuição na produção hepática de bile, principalmente nos
portadores de colestase. Há necessidade de reposição parenteral destas vitaminas
para contornar a baixa absorção quando administradas por VO.
A deficiência de Vit D é
extremamente frequente nos hepatopatas crônicos, sendo que em todos pacientes
devem ser medidos os níveis de Vit D e iniciar a reposição quando necessário.
Elementos traço.
Zinco: deficiência é comum: Um dos sintomas mais comuns da deficiência de zinco
é a disgeusia (alteração do paladar) que pode contribuir para a anorexia dos
hepatopatas. Necessário dosagem sanguínea em todos pacientes.
Magnésio: Deficiência frequente nos pacientes que recebem diuréticos tiazidicos.
A reposição por via oral pode provocar diarreia, seno que a alternativa seria a
troca do diurético.
Selênio: A deficiência de selênio é considerada um fator de risco para piora da
fibrose hepática nos portadores de hepatite C crônica e para aumento do
potencial do vírus em desencadear diabetes.
Manganês: Com frequência os seus níveis estão elevados, podendo se depositar nos
gânglios da base e provocar sintomas semelhantes a doença de Parkinson. Não
deve ser administrado aos pacientes com cirrose.
Cobre e Ferro: Devem ser restringidos quando o paciente é portador de
Doença de Wilson e de Hemocromatose.