Nutrição em cirurgia




Guidelines ESPEN 2017

TERAPIA NUTRICIONAL EM CIRURGIA


Cada tópico abordado no “guideline” foi transcrito e está seguido do grau de recomendação (resumido na tabela abaixo) e do grau de consenso (Cons), em percentagem, entre os autores.


Graus de recomendação
Grau
Descrição
A
Baseado em meta-análises de alta qualidade
B
Baseado em revisões sistemáticas de alta qualidade
0
Baseado em relato de casos, opinião de especialistas.
GPP
Baseado em consenso entre os especialistas

O texto completo do Guideline está disponível em: Clinical nutrition  in suegery




OBJETIVOS DA TERAPIA NUTRICIONAL:

Os objetivos da terapia nutricional peri-operatória são:
  • Colocar os cuidados nutricionais como parte integrante do atendimento ao paciente, para evitar longos períodos de jejum pré-operatório e o início da alimentação oral o mais cedo possível após a cirurgia.
  • Iniciar a terapia nutricional precocemente, assim que fique caracterizado que o paciente está em risco nutricional. Realizar o controle metabólico do paciente, incluindo o controle da glicemia e esforços para redução dos fatores que exacerbam o catabolismo relacionado ao estresse e/ou prejudiquem a função gastrointestinal.
  • Minimizar o tempo de uso de agentes para sedação e/ou paralisia muscular no período pós-operatório
  • Estimular a mobilização precoce do paciente para facilitar a síntese proteica e preservar a função muscular.


 Recomendações:

Na maioria dos pacientes é desenecessário iniciar o jejum pré-operatório a partir da meia-noite.
Pacientes considerados como sem risco de bronco-aspiração, devem receber líquidos claros até duas horas antes anestesia.
A ingestão de sólidos é permitida até seis horas antes da anestesia.
OBS: Estão excluidos os pacientes portadores de estenose/obstrução esofageana ou qualquer dificuldade de esvaziamento gástrico.
GR = A   Cons = 97%

A fim de reduzir o desconforto peri-operatório, incluindo a ansiedade, deve-se administrar carboidratos no período pré-operatório, em 2 momentos: na noite anterior à cirurgia e 2 horas antes da anestesia.
Nos pacientes que serão submetidos à cirurgias de grande porte, a administração de carboidratos no pré-opertório deve ser considerada, visto ser ela capaz de encurtar o tempo de internação e  diminuir a resistência à insulina no pós-operatório
GR = A/B   Cons = 100%

Recomenda-se que esta orientação para ingestão oral no pré-operatório, seja adaptada de acordo com a tolerância individual e o tipo de cirurgia a ser realizada, com especial cuidado para pacientes idosos.
Grau de recomendação GPP e forte consenso (100% acordo)

Na maioria dos pacientes a ingestão oral, incluindo líquidos claros, deve ser iniciada poucas horas após o término da cirurgia.
GR = A   Cons = 100%

Recomenda-se avaliar o estado nutricional antes e depois das cirurgias de grande porte.
GR = GPP   Cons = 100%

A terapia nutricional peri-operatória é indicada em pacientes com desnutrição e naqueles portadores de  risco nutricional.
A terapia nutricional peri-operatoria também deve ser iniciada caso haja previsão de o paciente permanecer, no pós-operatório, sem se alimentar por mais de 5 dias.
A terapia nutricional deve ser inicida nos pacientes com baixa ingestão oral e que não conseguem ingerir mais do que 50% de suas necessidades nutricionais, por mais de sete dias.
Nas situações descritas acima,  recomenda-se iniciar terapia nutricional (preferencialmente pela via enteral) sem demora.
GR = GPP   Cons = 92%

Se a ingesta oral e a NE não atingirem pelo menos 50% das necessidades nutricionais do paciente por mais de 7 dias, recomenda-se associar a NP.
Nos casos em que há necessidade de realizar a terapia nutricional e houver contraindicação para realização da nutrição enteral,. (Ex: Obstrução intestinal), a NP deve ser iniciada logo que possível.
GR = GPP   Cons = 100%

Para a administração de NP, deve-se preferir o sistema  3 em 1 em vez de usar um sistema de múltiplos frascos.
GR = B   Cons = 100%

A suplementação com glutamina parenteral pode ser considerada em pacientes que a nutrição por via entérica não é possível e, portanto, necessitam de NP exclusiva.
GR = B   Cons = 76%

Atualmente não é possivel fazer uma recomendação clara em relação à suplementação ORAL de glutamina .

Atualmente não é possivel fazer uma recomendação clara em relação à suplementação ORAL ou PARENTERAL de arginina como substrato único.

Nos pacientes em que não é possivel a realização de NE, a NP deve ser iniciada, considerando-se a inclusão de ácidos graxos omega-3.
GR = B   Cons = 65%

Na terapia nutricional peri ou pós-operatória dos pacientes desnutridos, submetidos a cirurgias de grande porte para tratamento de câncer, deve ser usada fórmula enriquecida com imunonutrientes (arginina, ácidos graxos ômega-3, ribonucleotídeos)
GR = B   Cons = 89%

Nos pacientes a serem submetidos à cirurgias de grande porte, para tratamento de câncer abdominal, a administração pré, peri ou pós-operatório de suplementos nutricionais (SNO) ( 250 ml 3 vezes/dia)  enriquecida com substratos imunomoduladores (arginina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos) por cinco a sete dias, reduz a morbidade pós-operatória e o tempo de permanência no hospital.
Os pacientes desnutridos, são os mais beneficiados com esta conduta.

Pacientes que apresentam elevado risco nutricional, devem receber terapia nutricional por um periodo de 7 a 14 dias, antes da cirurgia de grande porte , mesmo que a cirurgia (incluindo as para o tratamento do cancer) precise ser adiada.
Sempre que possível, a via oral / enteral deve ser a preferida
GR = A   Cons = 95%

Independente do estado nutricional, recomenda-se o uso de SNO no periodo pré-operatório nos casos dos pacientes que não conseguem atingir suas necessidades nutricionais com a ingestão das refeições habituais.
GR = GPP   Cons = 96%

No pré-operatório, os SNO devem ser administrados a todos os pacientes desnutridos portadores de câncer e naqueles considerados como sendo de alto risco cirúrgico, candidatos  à cirurgias no abdomen.
Um grupo especial de pacientes de alto risco são os idososos idosos portadores de  sarcopenia.
GR = A   Cons = 97%

Os SNO enriquecidos com imunomoduladores (arginina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos) devem ser os escolhidos para administração no pré-operatório (durante 5 a 7 dias).
GR = GPP   Cons = 94%

Os SNO devem  preferencialmente ser administrada antes da admissão hospitalar, para evitar hospitalização prolongada e diminuir o risco de infecções.
GR = GPP   Cons = 91%

O início precoce da alimentação por sonda no pós operatório (dentro de 24 horas) está indicada nos pacientes nos quais a nutrição oral precoce não pode ser iniciada, e naqueles em que a ingestão oral provavelmente será inadequado (<50% das necessidade) por mais de 7 dias.
Os grupos de maior risco são:
Pacientes submetidos à cirurgias de cabeça e pescoço ou gastrointestinal para câncer
Pacientes com trauma grave, incluindo lesão cerebral
Pacientes com desnutrição evidente no momento da cirurgia
GR = A/GPP   Cons = 97%

Se for indicada a alimentação por sonda, esta deve ser iniciada no prazo de 24 h após cirurgia.
GR = A   Cons = 91%

Na maioria dos pacientes, a formulação indicada para a NE é a dieta enteral padrão, com proteína inteira.
Por razões técnicas, (como a obstrução da sonda e o risco de infecção) não se recomenda o uso de dietas manipuladas ( artesanais) .
GR = GPP   Cons = 94%

Deve-se considerar a colocação de uma sonda nasojejunal (NJ) ou jejunostomia cirúrgica (NCJ) em todos os pacientes submetidos à cirurgia  gastrointestinal ou  pancreática, que sejam candidatos à NE no pós-operatório, principal-mente se forem desnutridos.
GR = B   Cons = 95%

Recomenda-se iniciar a NE por sonda usando uma velocidade baixa, (máx. 20 ml / h) aumentando a velocidade com cuidado e respeitando as características de cada caso, devido às limitações na tolerância gastro-intestinal. O tempo para alcançar a oferta nutricional plena varia muito , podendo alcançar  cinco a sete dias.
GR = GPP   Cons = 85%

Se for necessário realizar a NE por mais de 4 semanas (Ex: trauma de crânio grave) recomenda-se  a realização de gastostomia .
GR = GPP   Cons = 94%

Recomenda-se a reavaliação regular do estado nutricional durante a permanência no hospital e, nos pacientes que receberam terapia nutricional no período peri-operatorio e ainda não conseguem cobrir adequadamente as suas necessidades nutricionais  através da via oral no pós-operatório, pode ser  necessário a continuação da terapia nutricional após a alta hospitalar.
GR = GPP   Cons = 97%

Sendo a desnutrição um dos principais fatores que influenciam o resultado após um transplante de órgãos, recomenda-se o monitoramento do estado nutricional durante o acompanhamento dos pacientes que estão na lista de espera para o transplante e se necessário iniciar SNO.
GR = GPP   Cons = 100%

Nos transplantes de órgãos, a recomendações da terapia nutricional para os receptores e os doadores vivos são iguais às descritas para pacientes submetidos às cirurgias abdominais de grande porte.
GR = GPP   Cons = 97%

Após transplante de coração, pulmão, fígado, pâncreas e rim, recomenda-se o início da alimentação oral ou da nutrição enteral dentro de 24 h após o término da cirurgia.
GR = GPP   Cons = 100%

Mesmo após o transplante do intestino delgado, a nutrição enteral pode ser iniciada cedo, mas deve ser progredida com muito cuidado durante a primeira semana.
GR = GPP   Cons = 93%

Se necessário, a NE deve ser combinada com a NP nos transplantados.
Recomenda-se o acompanhamento nutricional de longo prazo e aconselhamento dietético especializado para todos os pacientes submetidos a transplantes.
GR = GPP   Cons = 100%

Após a cirurgia bariátrica, a alimentação oral precoce pode ser realizada.
GR = A   Cons = 100%

Nas cirurgia bariátricas evoluindo sem complicações, a nutrição parenteral não é necessária.
GR = 0   Cons = 100%

Na cirugia braiátrica com coplicação que necessite de relaparatomia, deve-se  considerar a colocação de sonda nasojejunal ou jejunostomia.
GR = 0   Cons = 87%

Recomendações adicionais para cirurgias bariátricas são idênticas aquelas estabelecidas para pacientes submetidos a cirurgia abdominal de grande porte .
GR = 0   Cons = 94%






NE no paciente da UTI.



NE de maior densidade calórica versus NE rotineira nos pacientes da UTI


Autores: TARGET Investigators, for the ANZICS Clinical Trials Group, Chapman M, Peake SL, Bellomo R et al.
 Australian and New Zealand Intensive Care Research Centre, Monash University

N Engl J Med. 2018 Nov 8;379(19):1823-1834 ( Acesse o artigo aqui)



Introdução:

O nível ótimo de oferta nutricional aos pacientes portadores de doença crítica, ainda não está claramente definido, havendo  necessidade de estudos que busquem esclarecer este assunto..


Material e Métodos:

Estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado, envolvendo adultos submetidos à ventilação mecânica (VM) realizado em 46 UTIs da Austrália e Nova Zelândia, para avaliar 02 níveis de oferta calórica:

  • Grupo 1,5 Cal:  Dieta com  1,5 Cal/ml,  administrada no ritmo de 1 ml/kg/h (peso ideal) 
  • Grupo 1,0 Cal:  Dieta com 1,0 Cal/ml, administrada no ritmo de 1 ml/kg/h (peso ideal) 


Em ambos os grupos a NE foi iniciada dentro de 12 h do começo da VM e foi acrescida de NP complementar obedecendo às normas vigentes em cada unidade.
Todos os pacientes receberam a mesma oferta proteica.
Desfecho primário: mortalidade por todas as causas em 90 dias


Resultados:

As características dos pacientes estão na tabela 1: 

Tabela 1

Características
Grupo 1,5 Cal/kg/h
Grupo 1,0 Cal/kg/h
Pacientes: Total = 3957
1971
1986
Idade
57,2  ( ± 16,6 )
57,5 ( ± 16,5)
Peso atual
84,6 ( ± 23,3)
84,9 ( ± 23,6)
Peso ideal
64,4  (± 11,1)
64,7 ( ± 10,9 )
IMC < 18,5
2,05 %
2,44 %
Internação clínica
73,2%
72,3 %
Internação cirúrgica
26,8%
27,7 %
Apache II
22,0 pontos
22,1 pontos
Uso de vasopressores
62,7%
63,1 %

  
 Os resultados obtidos, expressos em  média + (DP) estão na tabela 2.

 Tabela 2
  
Resultados
Grupo 1,5 Cal/kg/h
Grupo 1,0 Cal/kg/h
Total calorias recebidas
1863  (± 478)  Cal/dia
1262 ( ± 313 )Cal/dia
Cal/kg peso ideal
29,1  ( ± 6,2)
19,6  ( ± 4,0)
Proteína  (g / kg peso ideal)
1,09 (  ± 0,22) g
1,08 ( ± 0,23) g
Duração média da NE
6,0  ( 3,0 – 11) dias
6,0  ( 3,0 – 11) dias
Insulina administrada
3,0 UI/dia
0 UI/dia
Mortalidade em 90 dias
26, 8%
25,7%
Hemoculturas positivas
11,6 %
11,1 %

Outros 7 parâmetros: tempo de sobrevida, disfunção orgânica necessitando suporte, tempo de vida fora da UTI ou do hospital, incidência de infecções ou de efeitos adversos foram iguais nos 2 grupos.


Conclusões:

Neste estudo, os dois diferentes níveis de oferta calórica fornecidos na NE aos pacientes submetidos à ventilação mecânica , não interferiram na taxa de sobrevida em  90 dias,  no tempo de UTI,  na incidência de complicações infecciosas ou não infecciosas, e  na ocorrência de disfunção orgânica


Observações:
Os seguintes pontos chamam a atenção:

  • NE foi  necessária durante pouco tempo: 6 dias
  • Baixa oferta proteica usada: 1,09 e 1,08 g/kg/dia de peso ideal,  abaixo das recomendações para pacientes da UTI.
  • Baixa pontuação do APACHE na internação ( 22 pontos), indicando pacientes não muito graves.
  • Baixo número de pacientes que possam ser classificados como desnutridos pelo IMC : 2,2%



Índice de Sarcopenia


Índice de Sarcopenia (SI): uma ferramenta de triagem nutricional simples e objetiva para os pacientes da UTI.



Autores: Barreto EF1, Kanderi T, DiCecco SR, Lopez-Ruiz A, et al.
Mayo Clinic, Rochester, Minnesota, USA.

JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2018 Dec 18. doi: 10.1002/jpen.1492. Acesse aqui


Introdução:

Ainda não há ferramentas confiáveis ​​, válidas  e de simples utilização, capazes de  rastrear a desnutrição na unidade de terapia intensiva (UTI).
O Índice de Sarcopenia (SI), (SI = Creatinina sérica x Cistatina C sérica/100 ) pode se tornar uma ferramenta simples, objetiva e barata para rastrear a desnutrição.
Neste trabalho o SI foi avaliado como ferramenta de triagem nutricional na UTI e seus resultados foram comparados  com os obtidos a partir do  NUTRIC Score.

Materiais e métodos:

Estudo de coorte histórica, de 398 pacientes internados em UTIs da Clínica Mayo, entre 2008  e  2015, que apresentavam  função renal estável.
A ferramenta utilizada para caracterizar o estado nutricional de cada paciente foi a Avaliação Nutricional Subjetiva (ANS).
Foram também calculados, de cada paciente, o Nutric Score e o Índice de Sarcopenia.


Resultados:

Estado nutricional
Total
%
Pacientes estudados
398

Pacientes com desnutrição
181
45,4%
Desnutrição leve/moderada
147
36,9%
Desnutrição grave
34
8,5%

Índice de Sarcopenia
Pontos
p
Desnutrição leve/moderada
72 ± 25
p = 0,002
Desnutrição grave
64 ± 27
p = 0,002

Reduções no SI corresponderam ao aumento da gravidade da desnutrição, (P = 0,001).
Pacientes com baixo SI ( < 43 ) tiveram um risco de morte  significativamente maior .
  
O  SI foi um indicador do risco de desnutrição com um  um desempenho ligeiramente melhor do que o Nutric score.

Conclusões:

A freqüência de desnutrição foi alta nesta população de pacientes da UTI, e estava associada  à mau prognóstico.

Os pontos de corte de SI com sensibilidade e especificidade > 90% foram:

Pontos de corte do SI
Pontos
Sensibilidade
Sem desnutrição
>  101
> 90%
Desnutrição leve / moderada
101 - 43
> 90%
Desnutrição grave
<  43
> 90%

O SI poderia ser usado para avaliar o risco nutricional em pacientes internados em UTI.


Observações:

1- Cistatina C.

A cistatina C é uma proteína de pequeno peso molecular, produzida em um ritmo constante e encontrada em praticamente todos os tecidos e fluidos corporais.
É filtrada pelos glomérulos e totalmente reabsorvida nos túbulos renais e por este motivo é apontada como um marcador endógeno da taxa de filtração glomerular (TFG) superior à creatinina.
Sua função é  a de inibir as proteinases lisossomais (enzimas presentes nos lisossomas das células) sendo um dos mecanismos mais importantes capazes de impedir a destruição das proteínas do citoplasma  pelas enzimas lisossomais.


2 – Índice de Sarcopenia

O índice de Sarcopenia é uma relação entre as dosagens sanguíneas de cistatina C  e de creatinina.
É calculado da seguinte forma: SI = (Creatinina Sérica / Cistatina C sérica ) x100.
Considerando que estes dois marcadores tem origens celulares diferentes ( Cistatina C produzida por todas as células nucleares do organismo e Creatinina produzida pelas células musculares esqueléticas) ,a  proporção entre eles revelaria a relação existente entre a massa muscular esquelética e a massa celular corporal.
Nos pacientes com função renal estável , um resultado baixo desta proporção indicaria uma menor massa muscular em comparação com a massa celular corporal.

Referências:

 Cistatina C sérica: uma alternativa prática para avaliaçãode função renal?

Relationship between sarcopenia and the serumcreatinine/cystatin C ratio in Japanese ruralcommunity‐dwelling older adults